Eu estava vendo um vídeo no YouTube dum show do Libertines esse ano. Eles tocando num clube de tamanho modesto mas empolgados. Pete Doherty tem apenas cabelos brancos, está bem mais gordinho mas claramente longe dos demônios da era das drogas. As músicas dos dois primeiros álbuns são os grandes momentos de excitação da plateia e eles não tem problema com isso. Dão ao povo o que ele quer. Não querem empurrar as músicas novas na goela do povo igual o Chico Buarque fez comigo em 2011. Elas estão lá para os fãs que querem voltar à juventude por uma hora. Acho que arte tem esse papel de suprir necessidades que a ciência não consegue.
Parece bem desinteressante qualquer material deles depois que se separaram e formaram projetos medíocres com grande potencial mas que ficaram no quase. Mas aqueles dois primeiros álbuns foram um momento em que parecia que eles eram os novos Strokes.
Até o Strokes deixou de ser o Strokes em algum momento quando eles começaram a se levar a sério. Tá tudo bem uma banda se limitar a ser um Velvet Underground modernasso. Mas não, toda banda precisa trazer um sintetizador pro palco. Todo mundo quer ser o Pete Townsend.
Só uma pausa: acho que tudo bem errarem na hora de tentar amadurecer o som, como fez tão bem Towsend pelo The Who. É melhor do que imitar o Towsend no seu hobby de colecionar fotos de pessoas não amadurecidas. Ew.
Eu vivi esse momento forte da música, as bandas que estavam “salvando o rock”. De Strokes ao Arctic Monkeys, teve gente que achou que o Jet estava nessa missão. Eu já me enganei muitas vezes na vida mas desse mal eu não passei.
Eu lembro que era bem desligado de rock por muitos anos. Desde que eu a fita cassete com músicas da TV Colosso parou de fazer sentido, eu comecei a desenvolver meu próprio gosto musical. Até aí eu só ouvia músicas de criança, como toda criança. Eu já ouvi dizer que colocar a criança para ouvir música clássica ajuda a desenvolver alguma coisa no cérebro mas não sei bem o quê. Acho que reter esse conhecimento é coisa de quem ouviu música clássica quando bebê. Tá claro o que rolou.
Ah, vale citar que eu não ouvia Xuxa. Minha mãe achava ela zoada. Eu curtia muito isso na personalidade dela. É uma das coisas que eu mais respeito nela até hoje - e olha que ela faz coisas incríveis como resgatar cachorros. E eu sempre penso “caramba, minha mãe achava a Xuxa muito palha, por isso eu saquei que a Xuxa era muito palha e não cresci vendo Xuxa.” Eu nem era proibido. Ela só achava a Xuxa muito palha. Liderou por exemplo.
Ok, essa é a parta da carta que eu começo a contar para você o início do meu próprio gosto musical: as duas primeiras coisas que amei foram funk carioca (o Miami Bass cantado em português que chamavam de “Rap do” ou “Rap da”. Eu ganhei esse vinil do DJ Marlboro, não tinha nada cantado em português, eram hits do Miami Bass gringo. Achei daora mas eu chapei mesmo quando comecei a ouvir os artistas cariocas. Fiquei viciado em gravar programas de funk do rádio, eu tinha uma mochila cheia de fitas K7 que iam no meu Walkman. Era uma playlist da época, feita na precisão de saber a hora certa de dar Rec e Pause. Eu acho que eu fazia isso tão bem quanto o Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead) é um safado sionista.
Nessa época, algo em torno de 95 - no ano em que o Botafogo ganhou o Brasileiro -, eu era obcecado por baile funk. Meu primo me contava todas as histórias do banho de espuma até o dia em que de fato me enfiou clandestinamente num baile funk. Pensa em um Ronald com 8 anos com cabelo com gel, brinco de pressão no ouvido (what a fake fuck!), um macacão jeans e uma camiseta branca. Aquilo ali foi o meu Burning Man.
Eu juro que meu primo foi o mais responsável que podia ser enquanto alguém que botou uma criança de 8 anos numa festa cuja censura era 18 anos. Eu não lembro de ter visto nenhuma droga (fora cerveja e cigarro)! #LACREI
Ao mesmo tempo, eu estou certo, não? Mas me sinto desconfortável em lembrar você que cerveja e cigarro são drogas. Parece um exagero de palestrismo. Parece que estou sendo um cara mais inteligente que eu sou. Bom, isso é uma coisa boa, né? A não ser que você perceba através disso. Ok.
Não tive acesso a nada errado nesse baile, eu só estava lá para curtir a música e foi foda demais. Não conversei com ninguém e o baile não tinha tanta putaria quanto começaria a ter uns 5 anos depois. Eu cheguei sim, a ir (raríssimas) vezes nesses bailes numa idade adequada. Não era para mim, mas hey, divirtam-se.
Meu primeiro baile foi só um baile feliz irado (na época a gíria era “sinistro”) com - e essa é a parte mais mágica - o famigerado BANHO DE ESPUMA, que até então eu só ouvia falar nas histórias do meu primo e através do hino “Banho de Espuma.”
A outra parada que eu ouvia era pagode. Meu primeiro grupo de pagode favorito foi o Molejo. Minha mãe na juventude tinha namorado o pandeirista do grupo Andrézinho. Eu sou um pandeirista - decente, até - também. Existe algo de Édipo nessa história? Nunca pensei nisso e não me parece hora para começar. Há outros problemas já na fila.
Mas acho que os grupos que me pegaram de verdade foram o Art Popular e Kiloucura. Os arranjos eram incríveis, as melodias, letras, eu passava horas decorando.
Daí eu acho que foi uma transição fácil para música preta de todos os estilos. Pagode de outras eras, rap nacional, depois internacional. Eu acho que no rock eu simpatizava com o Charlie Brown Jr que tocava na casa do meu amigo Rodolfo quando eu ia lá jogar videogame, mas eu nunca pedi o disco para gravar uma cópia. Eu tinha muito pouco interesse em rock perto das coisas que o 2Pac fazia - eu comecei a falar inglês muito cedo, então era um mundo novo. Racionais. Bone Thugs-N-Harmony. Dr Dre e na sequência Eminem, Xis e Gabriel Pensador. Enfim. ROCK SUX nessa época em que comecei a produzir espermatozóides - numa frequência assustadoramente alta, diga-se de passagem, tamanha a velocidade com a qual eu me desfazia deles.
E aí eu vi “Last Nite” na MTV. E entre aquela tarde em 2001 e algum momento de 2007, eu amei rock. Eu vivo tudo aquilo com afinco. Eu tinha 3 pares de cor diferentes de All Star. Consegues visualizar a situação?
Depois algo aconteceu e eu simplesmente detestava o lançamento de tudo. Não gostava de bandas novíssimas nem das bandas “velhas” que acumulei horas, dias, ouvindo ao longo dos últimos anos.
Acho que no começo do texto fui meio duro, injusto e desinformado falando que as bandas ficam chatas. Talvez eu não esteja preparado para elas amadurecerem. Talvez eu seja alguém vendo no rock um produto que se não vender a rebeldia melódica exatamente como eu quero, eu levo uma Pepsi para casa mesmo.
Mas aprendi a ouvir as bandas antigas. E isso sempre é legal. Do problemático The Who ao Pink Floyd, wow, tudo isso tem coisa bem massa - e umas nem tanto, vamos ser honestos.
Ano passado eu descobri esses caras, Dead Kennedys. Fascinantes. Qualquer disco de rock lançado depois de 2007 só importa se foi escrito pelo Jack White - esse sim, meu cara favorito até hoje, nunca lhe neguei nada.
Acho que talvez eu seja um velho roqueiro conservador… por rock. Bem tranquilo com abortos e trans, mas extremamente assustado, boomerizado por inovações nas minhas bandinhas. Lembro da minha reação desconfiada quando li o Fabrizio Moretti dos Strokes dando uma entrevista sobre o 3º disco do grupo. Nunca vou esquecer disso. Ele falava algo sobre “First Impressions of Earth” ser uma “escultura completa” enquanto os dois álbuns anteriores eram só rascunhos maneiros. Eu descobri ser madurofóbico ali.
Ano passado vi shows do Franz Ferdinand e The Hives. Gosto das músicas novas delas, mas trocaria todas as novas tocadas no show por qualquer coisa gravada até 2005. Foram excelentes shows - mas não foram experiências perfeitas. E eu tenho certeza que mais pessoas dividem os sentimentos. A gente quer se sentir jovem um pouco. Você não sabe como me incomoda ver pêlos brancos na minha barba e cabelo. Níveis imensos de desconforto. Pensando nisso, tenho um pedido para as bandas da minha juventude:
Posso, por favor, passar 60 minutos numa máquina do tempo metafórica em que vocês no palco tocam as músicas do tempo em que eu jogava basquete no time mirim do Fluminense e vocês eram jovens junkies inspirados, românticos e pretensiosos de cabelo sujo? Ou vocês precisam MUITO tocar as músicas novas pros seus sentimentos serem valorizados?
Malditos artistas.
Respeitosamente,
Ronald Rios, que aparentemente está sofrendo alguma crise de meia idade e se vê nostálgico sobre discos de 2001, quando ele não sabia o preço das coisas.